Se não fosse, se não existisse.
Por hora tenho a sensação de que tudo nesta vida,
os destinos, de certo modo já foram escritos,
vividos e mortos;
e a reedição do que já foi
é o nosso único e certeiro destino.
Nada do que faço ou penso
é inédito.
E se resolvo matar , e mato,
tantos outros já morreram
pelas mãos de outros,
que tiveram a mesma resolução.
Quando decido pensar
numa nova outra saída,
apenas vejo caminhos já trilhados,
e no momento em que vejo um novo,
é apenas um antigo
apagado pelo desuso:
perdão.
Se me calo, se falo,
se fico ou vou;
se nego, aceito ou me faço indiferente;
toda a minha ação ou inércia
é reprise de capítulos anteriores,
de tempos remotos,
da contínua mesmice histórica.
Asso um pão.
Ponho menos leite na massa
e acrescento mais sal
apenas por um ato de revolta,
apenas pelo ardente desejo
ansioso de querer ser diferente......
mas o pão não sai.
Quem nunca errou uma receita?!
Quem nunca falhou numa assertiva?!
Quem nunca ao invés de ser
apenas esteve,
ou foi ao invés se estar?!
Tão inútil é pensar em criar.
Não criamos a vida
visto que ela já existia
muito antes de pensarmos em pensar.
Tão inútil é sermos Sisifo em nós.
Ai destino selado,
por mais que sonhamos em ser original,
ai destino selado.
Ai angústia de mim
em mim aqui dentro.
E se olho uma mãe sem destino
com seu concepto imundo
à esmolar pelos cantos sórdidos...
A vejo e imagino outras tantas
que esmolaram e empobreceram,
esmolaram e morreram,
esmolaram e,não me lembro a vez,se resolveram.
Tantas tristezas, essas e outras,durante todos os tempos;
tantas idéias sociais, comunais...
E aquela mãe de há pouco,continua a mesma pedinte e pobre
a morrer provavelmente pelos milênios.
Sina de eterna miséria
terá a sua filha...
E de todas as aflições
que detenho como minhas,
minha agonia
de estar sem saber se me ama
ou se sou apenas mais um
na rota hedonista
que às vezes se constitui a vida
não passa;
como não passa
nenhuma das outras,
como não passa
a de ninguém que embarcou
nesta nau ou na próxima.
Tal compasso eterno,
em dois tempos,
um pensamento binário,
um tum e um tá,
um sim e um não,
quando muito um talvez,
me engessam com impiedosidade
pelos tempos.
Dia e noite,
acordar e dormir,
dormir e acordar.
Esse isso e aquilo,
quando muito
alguns outros horizontes,
sempre semi-novos,
se abrem tediosos.
Fatalismo de minha existência.
Sorte humana.
E por mais que me rebele,
a revolução não é mais nada
do que a transformação
para um status quo
outrora já vivido.
Todas as verdades,
que por vaidade
penso saber,
doem como chaga aberta
mexida e remexida
por mão carrasca.
Todas essas verdades
não são corretas,
não são falsas,
não são nada.
Ai ai ai...Se houvesse a remota
possibilidade de se retornar
ao início,
ao abismo
do qual me precipitei;
voltaria a ver o não ver,
sentiria em mim o pulsar
da vigorosa ignorância sobre todos os fatos,
do não reconhecer
o destino das coisas,do não saber
que se é humano
e que se tem por fado
reescrever o vivido destino
da condição inevitável
de se ser gente...
Assim poderia renascer cego
e enxergaria tudo
como um novo continente.
Assim poderia renascer surdo
e ouviria o Hino Nacional
sempre pela primeira vez.
Assim poderia renascer mudo
e declamaria essa poesia
e tudo, que é nada,fluiria suavemente...
poderia ser sem ter existido
e estar sem ter estado.
Poderia estar locado
em mundo diferente,
em um lugar de onde sequer
alma nenhuma existiu,
um lugar que não existe.
E se sou
e se estou
é apenas por falta completa de opção.
Pudesse eu não ser, pudesse eu não estar.
sandro dugnani